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A última primeira vez 28 de junho, 2020

Há uma perfeição pra fazer as coisas acontecerem da melhor forma, desde o encaixe entre os tijolos na construção de uma parede até o destinos pessoais que se cruzam. Há entre a construção de uma parede e os destinos pessoais, uma imensidão de possibilidades: de pequenas e grandes coisas! O que as torna pequenas ou grandes, nós determinamos, comparando ou não com as pequenas e grandes coisas que o são para os outros. Nessa imensidão de possibilidades existem coisas irrelevantes ou relevantes demais e aí também depende da comparação que fazemos entre o que é importante ou não para nós e para os outros. Estando o pasto do vizinho mais verde que o nosso ou não, nosso caminho é trilhado única e exclusivamente por nós mesmos e assim, se abandonamos a comparação, o que é grande e o que é pequeno, para nós e para os outros, torna-se irrelevante ou relevante demais. Nessa imensidão de possibilidades passamos a perceber que a vida acontece a cada instante, não importa se o dia voou ou demorou a acabar, não importa se fizemos tudo o que precisávamos fazer ou se algo ficou pra trás, ali, no meio dela, tivemos diversas primeiras vezes em muitas coisas, mas nunca silenciamos para perceber. Então a grande questão é aquilo que acabamos de fazer pela primeira vez. Porque a gente busca tão longe essas primeiras vezes e elas, na verdade, sempre estavam ali, acontecendo, pedindo pra serem vistas, sentidas, experimentadas. Ou talvez estavam ali, sendo primeiras vezes, exatamente como o Universo projetou que acontecesse em nossa jornada. A sua primeira vez pode ser irrelevante para o outro ou, relevante demais. A primeira vez em algo é como aquela fotografia descontraída, que registrava os momentos antes das câmeras digitais, antes dos ensaios fotográficos, antes dos arquétipos e estereótipos que precisamos ter para as boas fotos de hoje em dia. A primeira vez, pode ter sido agora, ou ontem, ou há anos atrás, mas sempre há uma primeira vez pra tudo. O desconforto é que a gente valoriza só as primeiras vezes que nos colocam num bom patamar de comparação com os outros, mas a primeira vez, sempre acontece todo dia.

Existem primeiras vezes clássicas, que para alguns podem ser verdadeiros dilemas, como tornarmos pais e mães, enfrentarmos a chegada do irmão mais novo, não sermos o filho preferido, o primeiro beijo, a primeira vez no sexo, a primeira dose de alcoólico, o primeiro cigarro, o primeiro barbitúrico, o primeiro porre, a primeira vez morando sozinhos, nossa apresentação a Deus, a primeira , a perda de um ente querido, o acidente que nos levou um membro do corpo, a doença que nos tirou a visão, o abandono do pai.. Tantas... Pouco se fala das primeiras vezes do dia a dia...

São clássicas, porque acontecem sempre e muito provavelmente, com a maioria das pessoas numa ordem cronológica do que seria o esperado para a vivência humana, mas nem sempre o ideal para todos os humanos. As primeiras vezes clássicas quase que setorizam as pessoas por sua capacidade de seguir a obviedade, mas são ótimas, porque no início de tudo, elas foram para alguém o seu mundo...

Existem aquelas primeiras vezes que não são clássicas, justamente aquelas que acontecem na individualidade de cada um de nós e que vamos deixando de ver como relevantes, porque fomos treinados a seguir a obviedade e então, o cotidiano nosso, daquele caminho que trilhamos sozinhos, vai se perdendo, vai deixando de ser notado, como se nunca estivesse ali, mas está, durante todo o trajeto está ali, porque é de seu íntimo ser e existe, apesar de nós. Existe apesar de o deixarmos de lado, de não acharmos relevante enxergá-lo, porque na comparação não vai interessar a quase ninguém. E aí, também se pode perceber, mais uma vez, que o nosso caminho é nosso... A relevância das primeiras vezes é determinada por nós. Se ora vão ser clássicas ou não, depende de nós. Não é todo mundo que vê suas primeiras vezes não clássicas e mesmo, quando fala das suas primeiras vezes clássicas, nem sabe se foram primeiras vezes verdadeiras, porque eram relevantes apenas para os outros... Ou porque ainda não se havia descoberto sua relevância...

As primeiras vezes, clássicas e não clássicas, coexistem em cada um de nós, ou porque precisamos tê-las, ou porque queremos tê-las.

Comecei a escrever este texto pelo feedback de uma postagem, a qual muitas pessoas, muitas mesmo, responderam. E sou imensamente grata... Desde lá, já tive diversas últimas primeiras vezes, seguramente, nenhuma das novas é uma primeira vez clássica. Acho que poderia ser um texto daqueles que nunca terminam. Há algum tempo procuro observá-las. Mantenho um pote, cheio de pequenas alegrias diárias, datadas, preu recorrer a elas quando vem um pensamento infeliz. Meu pequeno grande pote de felicidades!

Estamos em tempo de pandemia, algo que certamente não veremos novamente nessa vida. A possibilidade iminente da morte talvez tenha contribuído para enxergar novas primeiras vezes. As máscaras, de variadas cores e modelos, povoam nosso cenário e participaram de muitas das primeiras vezes que chegaram até mim. Talvez você se identifique com algumas ou talvez queira contar a sua última primeira vez nos comentários deste post... Aqui estão elas!!

Usar, pela primeira vez, uma máscara no meio de várias pessoas. E mais espantoso ainda, entrar com uma máscara num grande banco, pela primeira vez. Compartilhar essa mesma situação limitante, de isolamento social, junto com a maior parte da humanidade. Acordar no dia 22 de abril de 2020. Conseguir ignorar totalmente alguém de quem se gosta muito. Fazer papel ridículo aos olhos dos outros só pra se sentir bem fazendo “Tik Toks”, numa clássica descoberta de uma primeira vez não clássica. Caminhar pela primeira vez com o pai e o irmão adotivo. Bater o carro. Plantar amor perfeito, aquele comprado na floricultura que iam para sentir o bálsamo nos fins de semana, sagrado bálsamo dos fins de semana, que agora, em tempos de pandemia é uma memória que parece distante, a não ser nas pequenas escapadas do cotidiano, únicas mudas possíveis para celebrar ainda mais o amor perfeito que se fortaleceu. Jogar futebol com o sobrinho de três anos. Inventar uma nova receita de Capuccino. Participar voluntariamente com a Vigilância Sanitária da cidade numa ação, pasmem, contra a dengue, que continua sendo motivo de cuidados, mesmo em tempos de pandemia. Experimentar uma comida nova. Tirar a barba. Ter uma conversa consigo mesmo. Observar a brevidade da vida quando um gavião captura um passarinho no pé de mimosa. Viajar só, mais de cem quilômetros, num bate e volta, só pra conhecer uma cachoeira. Fazer massa de pizza pela primeira vez. Tonalizar o cabelo de azul, no aniversário em abril, um sonho de anos. Cozinhar batata doce e transformá-la em salada. Cozinhar sagu pela primeira vez. Usar de verdade um decibelímetro: aprendendo a regular e a medir. Estrear dando banho nas embalagens de alimentos. Fazer pavê de limão. Ir pescar num tanque, onde os peixes estão pedindo pra serem pescados e voltar sem nenhum deles. Fazer uma live para uma exposição espírita. Fazer cuca de banana e farofa, com recheio. Depilar alguém com cera. Pintar tapetes. Organizar a agenda e o horário das aulas.

Fazer hoje coisas feitas pela primeira vez, afinal hoje é o primeiro dia de nossa vida, assim como será amanhã e depois, sempre tudo pela primeira vez, sejam primeiras vezes clássicas ou não, simplesmente porque não se é o mesmo de ontem e não se repetirá a mesma coisa, do mesmo jeito, amanhã.

Você pode ouvir este texto aqui: https://soundcloud.com/nalu-beckert/a-ultima-primeira-vez

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