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Eu: minha reforma moral – maio de 2017

Muito me intriga compreender porque passamos tanto tempo de nossa vida querendo fazer parte da vida de alguém, querendo ser importantes para alguém... E aí, não raras vezes, tentamos agradar as pessoas.
Algumas, obviamente nunca estarão satisfeitas porque nem sequer imaginam como seria agradar alguém, porque não têm compromisso em estar satisfeitas com nada, apenas comprometeram-se com a missão de mencionar que tudo que está sendo oferecido poderia estar melhor apresentado, poderia ser mais funcional, poderia ser diferente. Gente que sabe fazer quase nada, que é inútil do ponto de vista da construção de uma sociedade justa, igualitária e digna para todos. Gente que pouquíssimo contribui, mas que precisa de tanto para sobreviver. Verdadeiros sugadores de energia que estão sempre carentes de grandes cuidados daqueles que estão por perto! É trabalhoso nos afastarmos da influência desse tipo de pessoas, especialmente porque elas fazem parte de um seio muito íntimo de nossas relações pessoais. A energia desse tipo de pessoas nos desgasta porque é muito mais fácil esperar que um estranho nos vire as costas do que alguém que não nos é estranho, ou que ao menos, não pensávamos que fosse. A atitude desse tipo de pessoas nos provoca revolta e embora sejamos muito orgulhosos para admitir, no fundo gostaríamos de fazer parte da vida delas como alguém que admiram e respeitam e não como alguém a quem recorrem quando precisam que o trabalho sujo seja feito, ou ainda pior que isso, alguém a quem elas têm certeza que a índole é tão respeitosa e correta que nunca deixarão de ajudar o próximo, especialmente alguém que é tão próximo.
Outras, retribuirão com um sorriso, uma vez ou outra, aquele sorriso amarelo de quem está nos perguntando sutilmente o que perdemos ali. E poucas, muito poucas mesmo, serão as mãos que nos seguram quando estamos prestes a desmoronar.
Nessa corrida, estamos tão desejosos de fazer parte da vida das pessoas que acabamos gastando muito tempo com aquelas que nos fazem nos sentir culpados por sua decadência e que nos lembram a todo instante que precisam ser sempre conduzidos pelo tapete vermelho da vida. Aquelas que vivem cometendo enganos que prejudicam em muito a vida das pessoas com quem convivem, através de suas atitudes impulsivas, mas que resolvem tudo pedindo desculpas, proclamando que reviram muitas coisas na vida e daqui em diante tudo será diferente, seguindo em frente e fazendo de conta que nada aconteceu, até terem uma nova atitude impulsiva. Dispendemos pouquíssimo tempo a quem realmente nos ampara ou simplesmente, quer nosso bem verdadeiramente: esquecemos de elogiar sua firmeza de caráter e agradecer sua sinceridade (mesmo quando ela não nos é favorável), de partilhar a completude que é tê-las em nosso convívio. E o nosso convívio poderia mesmo ser de pouquíssimas pessoas, apenas com as quais temos reciprocidade positiva, mas quando decidimos fazer isso, depois de muito bater a cabeça, somos tachados como antissociais.
Mas pôxa, que sociedade é esta afinal? Não é à toa que o termo rede social caracteriza um ambiente cravejado de futilidades.
Não sabemos realmente sobre nossos amigos ou nossos familiares mais distantes porque nossas relações são superficiais demais.
Perguntamos como as pessoas estão, mas é por mera formalidade porque nem sequer consideramos como real a possibilidade de oferecer um ombro amigo verdadeiro, apenas o fazemos por educação. Estamos tão ansiosos com o que virá depois ou com a quantidade de coisas que temos de realizar antes de hibernar por três míseras horas em nosso sono sagrado e iniciar logo cedo nossa rotina de vida entediante, que quando perguntamos às pessoas como estão, já nos adiantamos em implorar mentalmente para que digam que estão bem... E é bem verdade também que muitas pessoas vão nos dizendo apenas que estão bem, mesmo necessitando de um “norte” ou apenas de alguém para desabafar. E que suas atitudes serão julgadas (e aí sim o julgamento é algo cruel) porque levaram a um caminho não muito certo. Um caminho apenas diferente daquele que os julgadores escolheriam. Perguntamos e somos perguntados sobre como estamos, mas infelizmente já perdemos a disposição em falar sobre como estamos e em ouvir como estão os outros. A ajuda possível a esta altura, certamente não seria a ajuda necessária, mas aquela que é imposta, porque é pouco comum aceitar uma ajuda e não precisar resolver as situações exatamente da forma como quem oferece a ajuda quer: ao pedir ajuda, já não ouvimos mais um “ – Como eu posso lhe ajudar?”, mas um “Ok... Eu lhe ajudo, mas precisa ser do meu jeito...”.
Ainda na superficialidade das relações criamos perfis fake nas redes sociais, mesmo quando estes perfis são o nosso perfil real, para impressionar os que buscam saber sobre nós, superficialmente. Retiramos do nosso feed de notícias de nossa rede social, aqueles que estão mais felizes do que nós, ou que aparentem estar mais felizes, porque tornou-se costumeiro criar fotos e vídeos para impressionar. Já reparou em quantas vezes é preciso sustentar poses para uma mesma foto que será colocada nas redes sociais? Existem até artigos na Internet mostrando qual a melhor forma de aparecer diante das lentes. E depois, por quantos filtros uma foto passa até que seja publicada com a legenda “sem filtros”? Curtimos o status das mesmas pessoas a quem acabamos de enxovalhar em conversa com um de nossos “amigos”. Ou apenas vamos dando likes aleatoriamente sem nem lembrarmos do que vimos.
Encontramos desculpas para não encontrar as pessoas quando na verdade seria menos catastrófico se apenas disséssemos a elas o quanto nos incomoda vê-las e precisar conviver com elas, mesmo que eventualmente.
Tentamos em nossos diálogos mostrar o quanto somos melhores, o quanto estamos melhor preparados, o quanto nosso emprego escravo é melhor, o quanto nossa falsa família é perfeita, o quanto nossos filhos saíram a nós, o quanto conhecemos sobre lugares que paramos apenas para uma selfie... Criamos mentirinhas que vão crescendo, que vão se avolumando e sustentamos uma vida falsa e hipócrita.
E apesar de mostrarmos às pessoas uma vida fake, nos surpreendemos com as falcatruas corruptivas que assolam nosso país. Nos surpreendemos com o fato de haver no cenário político tanta gente, que nós mesmos colocamos nesse cenário, fazendo gato e sapato da gente. Sob a bandeira de que não votamos neste ou naquele candidatos, sob a bandeira de que todos os políticos são farinhas do mesmo saco, sob a bandeira de que a política no Brasil é assim mesmo e com a mesma desculpa esfarrapada a nós mesmos, no dia das eleições, misteriosamente precisamos visitar um parente fora de nosso domicílio eleitoral, ou precisamos fazer uma viagem de negócios para fora de nosso domicílio eleitoral, ou deixamos de votar porque regularizar a situação eleitoral não é lá coisa tão difícil!
Deturpamos o sentido de muitas coisas que ouvimos diariamente e preferimos empurrar com a barriga coisas sobre as quais temos o dever de nos posicionarmos diariamente. Não contentes em deturpá-lo em nossa mente, verbalizamos tais deturpações para que viralizem na boca do povo. Damos asas ao que não é de fato importante e abafamos o que precisa ser mostrado, o que precisa ser visto. Somos maledicentes na maioria das vezes.
Mas se por acaso cansamos de confiar em pessoas que só nos enganam, somos considerados julgadores malditos, como se devêssemos aceitar sempre passivamente e pacificamente a desobediência às leis morais que fomos ensinados a respeitar.
A ideia de que é preciso ser feliz e ponto final é vendida a esmo e até passamos a acreditar que nossos erros se justificam pela busca incessante de estarmos sempre felizes, mas a felicidade a qualquer custo não pode mesmo ser real.
Parece que o mundo tem sido construído mesmo para alguns tipos de pessoas...
Passamos muito tempo querendo saber de tudo, de todos, porque no fundo, no fundo, a vida tem estado tão sem graça que é melhor mesmo passar o tempo compartilhando coisas na rede social, passando toneladas de vídeos via aplicativos. Sob o medo de não sermos considerados tecnologizados nos tornamos escravos de um aparelho móvel de telefonia. Depois de termos uma telinha touch screen nunca mais estaremos livres porque se resolvermos ficar em stand by seremos cobrados por termos visualizado uma conversa e não a termos respondido. Conversas que na maioria das vezes são apenas “zilhares” de informações inúteis sobre as quais nem podemos manifestar nossa opinião porque antes de terminarmos de ler, antes de pensarmos em responder, já chegaram diversas outras informações inúteis.
         Passamos muito tempo negando esta hipocrisia social, porque talvez seja cansativo demais doar-se inteiramente. E agora certamente, ao lermos o texto, estamos tentando convencer a nós mesmos sobre o quanto não somos nenhum pouco assim, sobre o quanto somos inteiros em nossas relações. Porque talvez seja dolorido demais admitir que quando nos doamos expomos nossas fraquezas e que é muito difícil estarmos nus de vaidades diante de olhos julgadores, como muitas vezes são os nossos. Porque talvez seja dolorido demais admitir que no momento em que criamos boas relações com nosso semelhante, relações boas de verdade, passamos mesmo a fazer parte da vida dele, como queríamos desde o início, passamos a ser importantes na construção de sua vida e permitimos que ele participe da construção da nossa vida.
Não precisamos de outras reformas senão uma moral...
Sem sombra de dúvidas se deixar levar pela maré, ser “Maria vai com as outras”, ficar em cima do muro, não se posicionar na construção de um mundo para todos, é bem menos trabalhoso e torna-se até uma postura conveniente. Uma postura que pode ser justificada com uma interpretação incorreta sobre a qual, mais tarde, se pode constatar o equívoco, pedir desculpas e seguir em frente. Uma interpretação incorreta daquele modo sábio de ver a vida que nos fala sobre aceitar serenamente aquilo que não podemos mudar, mas que não nos fala para morrermos no conformismo.

         

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